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Sobre os padrões e as transformações

Nosso aprendizado em permacultura e bioconstrução teve um intensivo de 10 dias - período de férias minhas e do Júlio. Ficamos no sítio Bambutuque de 9 a 20 de julho.


Conseguimos fechar todas as paredes do banheiro seco com sucesso e boas reflexões. Os conteúdos aqui deste blog misturam o compartilhamento de como estamos fazendo as obras/experiências em bioconstrução e tudo o que essa prática tem gerado de pensamentos/consciência.


Assim, hoje escolhi compartilhar nossa percepção sobre os padrões - um conceito bastante amplo. Da metáfora ao concreto. Do material às abstrações e múltiplas intepretações, aqui vamos nós!




Esse videozinho tinha a intenção de registrar como é que faríamos a trama. Foi gravado ao iniciarmos a primeira parede do banheiro seco. A segunda parede foi feita de maneira diferente. Parecida com o que mostramos aqui, porém com menos arame/pregos porque o processo de fazer nos mostrou que era possível modificar.


Na permacultura, observar o padrão da natureza para criar o que é necessário é uma premissa importante para a perenidade dos projetos e sua integração sistêmica.


Esse padrão é algo extraordinário porque subverte totalmente a nossa pré-concepção de padrões e procedimentos padrões. Não há um bambu igual ao outro, assim como não existe um ser humano igual a outro. Podem ter características parecidas, mas nunca serão iguais. Sim, elegemos um padrão de varas mais ou menos retas, mas no exato momento em que elas vêm para a trama, precisamos ajustar de um jeito único, atento e respeitoso ao que se apresenta diante de nossos olhos.


Como boa orelha seca, lá estava eu cortando os arames e - ainda presa nos meus padrões de certo/errado- me esforçando para cortar medidas ideais. Nem tão grandes que gerassem desperdício, nem tão pequenos que dificultassem a amarração. E nessa tarefa, comecei a compreender que não existia padrão nenhum. Que eu poderia sim, cortar alguns grandes outros pequenos e acharíamos a destinação boa para cada pedaço.


Quando os pensamentos são padronizados


E desconheço algo melhor (ao menos para meu corpo/mente de pessoa concretizadora) que a prática para resgatar almas perdidas em devaneios e abstrações.


Colocar a mão na terra, no esterco, tocar os pés, a canela na lama formada com a água gelada me tiraram de um labirinto psíquico no qual me meti tempos atrás e a conclusão a qual cheguei é de que: de nada serve defender o sentir como fonte de desenvolvimento/consciência se você não se permitir sentir, expressar e refletir sobre sua expressão. Me dei conta de que eu não estava mais me expressando e isso gerou no meu corpo uma represa de emoções... que sabemos no que se transformam com o tempo.


Despadronizando os pensamentos


E claro, que construir essas paredes trouxeram muitas expressões. Elas assim, vistas prontas não revelam a trama interna que as produziu - tanto a dos bambus como a dos comportamentos e expressões que fizeram ela ser hoje como é. Por isso, vou contar o que tem dentro dessa parede bonita.



Eu queria que essa paredinha estreita, onde ficará a porta do banheiro, levasse garrafas marrons em zigue-zague até o alto. Mas, a gente não tinha essas garrafas lá no sítio. Temos dezenas delas em Campinas (SP). Meu corpo foi tomado inteiro pelo sentimento de frustração, raiva, impotência. Feio. Chato. Bobo. Era isso que eu senti no exato momento que Júlio explicou que só tinha 4 garrafas marrons para fazer a parede.


Saí do canteiro imediatamente depois de perguntar: "Por que nada do que eu projetei para esse banheiro se concretiza?" - questão reveladora do meu complexo e necessidade de culpar alguém pela minha própria frustração.


E, sabendo que aquilo era uma manifestação infantil, fui lá pegar as garrafas disponíveis para lavá-las. Neste ato, minha cabeça esvaziou encantada com a beleza das garrafas verdes (que eu não queria colocar no banheiro e não coloquei). E lavando, com aquela água gelada, me conectei com o que era necessário naquele momento; olhar para os materiais disponíveis, renunciar ao projeto egoico e cocriar uma nova estética para aquela parede.


E assim, ela ficou. Ela é resultado de nossas escolhas dentro das condições possíveis. Ela me ensinou um tanto. Ela tem parte daquilo que idealizei, parte daquilo que preciso superar e profundo amor pela vida e tudo o que ela nos oferece organicamente.


Pensamentos podem ser despadronizados. Precisam ser vivos e adaptáveis a cada momento. Libertar-se das imposições que colocamos a nós mesmos é essencial. É insustentável permanecer quando a vida nos convida a viver, com tesão, com emoção e consciência.


Experimentação livre


Outro ensinamento que a bioconstrução nos deu é o de se lançar às experimentações. Vimos muitos vídeos, assistimos a diversas lives e decidimos não mais nos abastecer de conhecimento "morto". Chamamos de conhecimento "morto" aquilo que é ouvido/lido/visto mas não experimentado. Talvez o nome mais adequado seja conhecimento inorgânico.


E assim, fomos fazer nossas paredes absolutamente sem padrão. Porque só assim poderíamos começar a entender o que é a nossa bioconstrução. Cada experiência é única. Assim, a primeira parede foi feita com uma trama de bambus mais espaçados e com tratamento de queima. As outras três receberam bambus sem tratamento e foram feitas com uma trama mais fechadinha. Escolhemos experimentar essa mudança porque sentimos as dificuldades da trama mais espaçada. Assim, nos pareceu mais orgânico fazer a trama com espaçamento menor, como mostram as imagens da primeira parede e das outras três.





Além da liberdade de experimentar para aprender, a bioconstrução é espontaneidade dirigindo um projeto. Não é o projeto que dirige uma bioconstrução. Não estamos dizendo que projeto não é importante. Ele é essencial, quando elaborado a partir de uma observação profundamente integrada à toda vida que já ali reside antes de nós.


Chamamos de espontaneidade tudo aquilo que surge quando nos dedicamos em atenção plena viver. Assim, a borboleta que pousa no barro fresco talvez seja mais do que apenas uma borboleta descansando no barro fresco. Ela nos diz algo e, no momento adequado, saberemos "ler", "compreender" e a nos comunicar com essa presença. Seria uma inspiração? Seria um indicador? Por agora, ficamos com a graça e a curiosidade sobre sua manifestação plena.



Ainda existem outras reflexões... mas vamos ficando por aqui. Numa próxima oportunidade compartilharemos mais sobre esse processo curtido que é ser humano em bioconstrução.








2 Comments


Katia Fonseca
Katia Fonseca
Jul 26, 2021

Que maravilha, Ciça, poder acompanhar todo esse aprendizado seu e do Júlio. Com certeza, vocês dois e seus leitores fãs - como eu - sairemos seres humanos bem melhores dessa experiência. Louca para saber os próximos capítulos dessa linda e profunda aventura. Beijos sustentáveis!

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tamboresdojulio
Jul 26, 2021
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Gratidão, Katia querida! Adoramos receber seu carinho :) E que em breve você venha conhecer o Bambutuque presencialmente. Tá quase lá...

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